Tudo começou em 2009, no início do ano letivo. Naná exibe toda orgulhosa seus novos materiais escolares. Para quem não a conhece, pode parecer normal, mas já digo que materiais escolares e pequena Anaisa têm uma relação muito particular, uma vez que a pequenina garota dos olhos esbugalhados perde suas coisas gradualmente ao longo do ano, encarregando seus amigos de sustentá-la no que diz respeito a grafite, corretivo e, principalmente, borrachas. Cansada dessa má fama e de ouvir as reclamações de sua amiga Anna Vitória, sempre a vítima na hora de emprestar coisas à pequena perigosa, (uma vez que não satisfeita em somente pegar emprestado, little Naná tinha um enorme apreço em levar para casa aquilo que era dos outros), fez uma revolução: comprou uma borracha.
Não era qualquer borracha, corriqueiro instrumento usado para apagar os erros feitos no papel por um grafite errante; não, era a borracha, maior que todas as outras, comprida, branca, dura, encapada por um papel resistente azul marinho com inscrições em alemão. "Pelikan", o nome dela, acompanhada de uma logomarca que ilustrava um grande pelicano apontando o bico para um pequeno, que enquanto pelicano filhote mais parecia um pato. Posto que gostasse de dar vida à coisas inanimadas e inusitadas - nunca uma boneca, ou um macaco de pelúcia, mas potes de álcool gel e bichos de pensamento -, Anaisa logo olhou a todos com a vingança em seus - grandes - olhos: "Essa é a Pelicana, minha borracha, não preciso mais de vocês".
E por semanas a fio durou o caso de amor entre as duas, erros propositais eram feitos só para que Pelicana entrasse em ação. A garota rabiscava desenhos desconexos em mesas alheias - sempre da pobre Anna Vitória - só para, com grande glória, retirar o retângulo branco feito de látex de seu estojo, e pôr a Pelicana para trabalhar. "Minha Pelicana, eu tenho a Pelicana, vocês não, hahahaha, Pelicana, minha borracha, a mais legal de todas..." era o que ela proclamava para quem quisesse ouvir, com sangue nos olhos. Matheus, sempre propenso a surtos repetinos e inexplicáveis, um dia, cansado de ouvir diariamente Anaisa se gabar de sua borracha querida, e de ter que enfrentar a dura realidade de que seu estojo era o mais incompleto de todos, num dos surtos exibicionistas de pequena Naná, arrancou-lhe a borracha das mãos, e num repente que até hoje permanece inexplicado, mordeu um pedaço de Pelicana.
Acredita-se que o poder de corrosão de sua saliva - que seria explorado mais tarde no episódio "O Vampiro do Sangue Azul" - veio a quase partir Pelicana em dois. Anaisa, protótipo de Monica Geller, com todo cuidado resgatou a borracha do chão, que agora não parecia nem um pouco com o imponente objeto que ela tanto exibia. Era só uma massa disforme toda babada, com um envoltório azul, agora já pouco reluzente, e ameaçando deteriorar-se. Muitos dias se passaram sem que se ouvisse falar dela. Da borracha misteriosa.
Meses depois, Naná chega com uma novidade: "Olha, essa é a Pelicana". O que ela tinha nas mãos era uma bolinha branca, pequena, franzina, tristonha, com um coração desenhado a lápis de escrever. "Mas Anaisa, aquela borracha daquele tamanho virou isso?!" "Sim, foi o que sobrou dela." "E o outro pedaço, o que foi feito dele?" "Não sei, só tenho isso dela". Disse, com lágrimas nos olhos, que quando pôde resgatar o que restou de sua amada Pelicana, ferveu-a em água, bezuntou-a de álcool gel. Pôs a borracha para descansar, secar, e agora, aquilo era o que restava dela. A roupa, a brilhante capa azul com jeito de alemã, ninguém sabia o que tinha sido feito dela.
Um dia, caminhando na rua da escola, eis que a pequena garota grita: "PELICANA, PELICANA, É A ROUPA DA PELICANA!!!!". Ela e Anna Vitória olhavam-se boquiabertas, era realmente o envoltório azul de Pelicana. O que ele fazia ali, pisado, amassado e rasgado na calçada da escola elas não sabia dizer. "Anna, promovo-te agora a guardiã oficial da memória da Pelicana. Leva essa capa pra casa, e guarde, porque um dia nós ainda vamos nos lembrar da Pelicana".
Quando mostrada aos outros convivas e testemunhas da tragédia que se sucera à borracha, ninguém acreditou. Como havia ido parar lá os restos mortais de Pelicana, é um mistério que permanece vivo até hoje. Da pobre Pelicana, temos ainda o restolho, aquela bolinha pequena, que diminui a cada dia que passa, pois Anaisa insiste em usá-la até o último sopro de vida.
O que ninguém sabia é que na torre de marfim onde instalava-se o Centro de Inteligência Pelikan ouvia-se um burburinho de vingança. "Perdemos em 2009, mas em 2010 retornaremos. Eles que nos aguardem..."
(continua...)